Encontro inevitável com o luto: a dor do mundo se manifesta no desaparecimento de alguém querido, trazendo anseios e lamentos, numa mazela crônica que nos lembra da sacralidade da existência física.
Da inevitável experiência do luto: em algum momento da vida, todos nós teremos que enfrentar a perda de alguém que amamos. É uma dor avassaladora, que nos atinge de formas tão distintas que nos sentimos perdidos no meio da tempestade de emoções. O luto nos leva a um lugar escuro e solitário, onde parece que a tristeza nunca terá fim.
A luta do luto é constante, um embate diário contra a saudade e a angústia que nos consomem por dentro. O sofrimento do luto se manifesta de maneiras inesperadas, nos momentos mais simples do cotidiano, nos mostrando que a dor da perda é uma presença constante em nossas vidas. Mas é preciso lembrar que o luto também pode ser um processo de cura, de transformação e de aprendizado. Afinal, é na escuridão que aprendemos a dar valor à luz.
O profundo luto e a luta constante
As circunstâncias que envolvem o desaparecimento de uma pessoa sempre deixam uma marca indelével de terror, de medo do passado, de choque e paralisia. Independentemente das contingências, um desaparecimento irreversível sempre será abrupto e trágico, deixando a família e amigos em profundo luto.
A memória recolhe detalhes inéditos e sem precedentes – que machucam, renitentes. A luta do luto se faz presente em cada lembrança, em cada momento de saudade que é vivenciado. Isso passa, é tudo o que posso dizer, mas o sofrimento do luto perdura, transformando-se em uma mazela crônica que acompanha os que ficam.
O tempo vai dissipando a densidade da penúria. A dor surge aguda e lancinante, transforma-se em uma mazela crônica, ganha asas firmes e pesadas e adquire tantas formas de tantas outras coisas que podem ter muitos e tantos nomes familiares e indecifráveis. Eis a convergência dramática de tudo que é desconhecido e obliterado em todos os séculos de conhecimento que ostentamos em nossa razão.
A limitação absoluta em ver a beleza vai arrefecendo com o passar dos tempos e você aprenderá a se distrair com as maravilhas da existência, quando menos esperar. A superação vem com a distração do porvir. Não sucumba à tentação de resistir ao processo natural de experimentar pequenos renascimentos que hão de surgir.
Honrar quem nos amou é conceber a dádiva de renascer em uma versão lapidada e mais humana. Sim, o sofrimento vem, vai, fica, insiste, resiste, vem de novo e depois vai. E ensina. A ausência tem um poder absoluto de agigantar um abstrato que é a matéria peremptória da vida. E o vazio incorporado vira algo intangível e muito poderoso. Vira amor.
Eu só descobri a força do meu amor com a feracidade da minha dor. E isso é universal. Você tem uma vida linda e isso não pode perder o significado. A beleza das coisas, a primavera dos tempos, tudo vai voltar ao ponto zero. E é através de você. O seu sofrimento sempre será do tamanho da grandeza da sua condição mortal. Um dia será você que desaparecerá em definitivo.
Somente a bruta noção da sua finitude pode conferir à dor algum sentido, anestesiar a bestialidade e resgatar a sacralidade humana. E isso vai dar a você uma potência, uma coragem, um entendimento maior da vida, do mundo e de tudo. O sofrimento colossal vai virar um amor desmedido dentro de seu Ser e, quando você menos esperar, a vida parecerá no eixo.
E, nesse momento, quase não haverá mais espaço para a existência física de quem não está mais aqui. Os mortos perdem o espaço no mundo – eles assumem o tamanho de todas as galáxias que você apreende. Assim como o onipresente céu, são os sepultados que nos velam – na imprevisibilidade de todos os nossos dias.
As pessoas que se foram sempre serão um lugar e um alento para onde poderemos voltar, independentemente de estarmos vivos ou não. Não existe mais distância. Incorporamos os mortos de uma forma instintiva e absoluta. Tornamo-nos maiores e mais fortes. O luto faz com que aprendamos a morrer física e metaforicamente. Não tente entender o Sentido. Não há sentido. Essa é a dor e a beleza de viver.
Esse é o alento da verdade de morrer. E o que quero mesmo ressaltar é: o Amor é o propósito único e último da vida. Não há morte que vença essa Verdade. A morte nunca teve a última palavra para quem sabe que sofrimentos impensáveis se originam da beleza dos sentimentos mais nobres que o mundo concebe.
É claro que a saudade vai desassossegar por um tempo, mas depois, na mesma proporção, revelará força, resignação, elevação e sabedoria. As minhas palavras parecem impessoais, mas quero que você saiba que eu e você sentimos a mesma coisa – diante da imprevisibilidade e da violência que assolam toda a ruptura de vida do mundo.
A morte, essa intrusa democrática, torna todos os seres do mundo insignificantes e iguais. A morte, essa ordem antinatural do curso da justiça, torna o ser humano digno do céu e do inferno, das saudades e da oração – agora e na hora de nossa morte. Viva o luto sem revolta. Os desígnios supremos (nascimento, amor, destino, morte) são insondáveis.
Sofremos pelo absurdo aparente, mas o fato é que uma vida se oculta, mas não finda. Os mortos continuam sua jornada de ascensão e amor. Em algum plano. Em algum lugar. E talvez seja exatamente aí: dentro de você, se ao acaso as suas crenças estejam embaçadas. O elo do amor, quando firme, vence o Nada. Por isso, reze, peça fé em oração, discernimento e resignação.
Você vai sair mais forte desse momento de horror. Quem você amou segue firme e vai interceder junto ao infinito – que você pode chamar de Deus – para que haja a compreensão do significado impossível dessa jornada misteriosa que é a existência. E, por fim, assim você vai despertar em vida. E, enfim, quem já foi vai descansar – em paz. ► *FERNANDA VAN DER LAAN É PSICÓLOGA / @fernandissima
Fonte: © TNH1
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