Desobediência e brecha jurisprudencial do STJ mantêm prática do termo1 em instâncias ordinárias por todo o Brasil.
Prisão é um tema que tem gerado debates acalorados no cenário jurídico brasileiro. Recentemente, uma decisão controversa do Superior Tribunal de Justiça abriu espaço para que juízes em todo o país decretem a prisão sem solicitação do Ministério Público ou da autoridade policial.
Essa prática de custódia por iniciativa dos magistrados tem levantado questionamentos sobre os limites do poder judiciário e a garantia dos direitos individuais. A discussão sobre a detenção por vontade própria dos juízes continua em pauta, suscitando reflexões sobre o papel das instituições no sistema penal brasileiro.
Prisão decretada de ofício: mudanças com o pacote ‘anticrime’ de 2019
Em decorrência do pacote ‘anticrime’ de 2019, a prisão decretada de ofício deixou de ser uma prática permitida no ordenamento jurídico. A Lei 13.964/2019 promoveu alterações no artigo 311 do Código de Processo Penal, eliminando a expressão ‘de ofício’ no contexto da decretação da prisão preventiva pelo juiz. Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça estabeleceram jurisprudência no sentido de que o juiz não pode mais agir por iniciativa própria, inclusive para converter uma prisão em flagrante em prisão preventiva. No entanto, apesar dessas determinações, a prática continua presente.
Decisões do STJ e instâncias ordinárias sobre prisão decretada de ofício
Em 2023, o Superior Tribunal de Justiça concedeu ordens em Habeas Corpus ou recursos em HC em 88 ocasiões para relaxar prisões decretadas de ofício ou revogar preventivas convertidas sem solicitação do Ministério Público. Os dados compilados pelo advogado e pesquisador David Metzker evidenciam a abordagem rigorosa das instâncias ordinárias em relação a esse tema. Durante esse período, foram proferidas decisões de soltura de suspeitos em 16 estados, como Acre, Amazonas, Maranhão, Tocantins, Goiás, Distrito Federal, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.
Estatísticas e tendências relacionadas à prisão decretada de ofício
Em 2024, a tendência de revisão de prisões decretadas de ofício se intensificou. Até 30 de julho, o STJ já havia concedido ordens em 54 casos de 12 estados diferentes, incluindo Amazonas, Rondônia, Piauí, Rio Grande do Norte, Alagoas, Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. No ano anterior, a maioria dos réus detidos por determinação do juiz havia cometido furtos, crimes sem violência e de pena leve, totalizando 22 casos. Já para o ano atual, o tráfico de drogas lidera as estatísticas, com 12 ocorrências.
Brecha jurisprudencial e atuação do STJ em relação à prisão decretada de ofício
Além das questões de desobediência por parte de juízes e tribunais, uma brecha jurisprudencial foi aberta pela 6ª Turma do STJ, permitindo prisões mesmo sem solicitação. O precedente do RHC 145.225 estabeleceu que o juiz pode optar por uma medida cautelar mais severa do que a requerida pelo MP, pela autoridade policial ou pelo ofendido, sem configurar atuação de ofício. Essa decisão tem gerado impactos significativos no sistema acusatório, como aponta Saulo Carvalho David, coordenador do Núcleo de Defensorias Especializadas de Atuação nos Tribunais da Defensoria Pública de Goiás. A atuação do STJ, que proibiu a conversão de prisão em flagrante em prisão de ofício, tem levantado questionamentos sobre a imposição de medidas cautelares nos processos judiciais.
Fonte: © Conjur
Comentários sobre este artigo